quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Em visita ao escritório da Saucony, o Bi Campeão Mundial de IM 70.3 Joachim Doeding conta na íntegra como foi a conquista do título em Las Vegas





"De repente travei como um jegue cabeçudo que insiste em não dar um passo: câimbras! Dá um tremendo desespero, porque você está ali, firme e forte e mesmo assim não consegue sair do lugar. Vem à cabeça tudo que você investiu para chegar até ali, todas as coisas das quais você abdicou para conseguir um bom resultado e os longos treinos solitários sob frio e garoa em São Paulo. E agora isso: eu parado no meio do circuito de corrida com a perna esquerda travada. Nem sair do caminho daqueles que me ultrapassam eu consigo, atletas que há alguns minutos eu ainda havia deixado para trás um por um. Bom, penso, já passei por isso antes, e derrotado, mudei meu foco: se antes a minha meta era vencer a prova, agora seria meramente terminá-la".
O Campeonato Mundial de Ironman 70.3 em Lake Las Vegas começou precisamente às 6:40 hrs. da manhã, ao raiar do sol. Pouco havia sido feito um minuto de silêncio em respeito aos acontecimentos de precisamente 10 anos e que especialmente naquele dia eram motivo de grande reflexão por parte de todos. O palco da etapa de natação foi o Lake Las Vegas, uma pequena represa em meio a um oásis nos arredores de Las Vegas, formada pelo desvio do Rio Colorado após este passar pelo Grand Canyon, um dos mais belos e importantes monumentos naturais dos Estados Unidos. O percurso era uma volta única de 1,9 quilômetros. A água doce e a proibição de uso de roupa de neoprene devido à elevada temperatura da água não foram condições apropriadas para me tornar mais rápido nesta etapa, que acabei fechando em 13º lugar. A primeira transição foi sem surpresas. Com a seqüencia de atividades estudadas e aplicadas agora já há mais de 20 anos, não tem mais como errar. Uma vez montado na bicicleta já me sentia bem mais no comando da situação. Mas com quatro campeões mundiais e vários outros campeões ou "top-finishers" das mais de 50 provas classificatórias ao redor do mundo, a roleta estava girando em Las Vegas e o desfecho da prova ainda estava longe e, àquela altura, totalmente imprevisível. Já logo na saída de Lake Las Vegas veio a primeira de uma infinidade de subidas curtas ou longas, algumas mais, outras menos íngremes. No total deverão ser escalados 940 metros de altura na longa e belíssima jornada pelo deserto do estado de Nevada. Mas o que me preocupava mais naquele momento era minha distância para Alfi Caprez, o suíço que, pelos meus cálculos seria um dos meus grandes adversários na disputa pelo título. Depois de nadar 7 minutos mais rápido do que eu, ele a esta altura já havia sumido no horizonte. Mas é um dia longo e eu estava preparado para fazer uma prova de recuperação. Mas recuperar 12 posições?

Já de volta do deserto e agora na parte urbana final do ciclismo, num longo trajeto plano antes da derradeira e longa subida para a segunda transição em Henderson, comecei a sentir a resposta das minhas pernas ao grande esforço que tinha feito até ali, solitário no deserto contra as longas subidas e vertiginosas descidas, o calor e o vento. Mas havia avançado bem e no final desta etapa veio a recompensa: o melhor pedal na categoria.

Na transição quase cometo um pequeno deslize: a troca da meia esquerda com a direita. Bem, cada um tem as suas pequenas superstições... Mas o que importava mesmo, é que eu havia chegado bem mais perto do meu objetivo. Ainda nos instantes finais do ciclismo consegui assumir a segunda colocação ao passar o alemão Detlef Profaska. Alfi Caprez continuava à minha frente, mas uma grande parte da sua vantagem havia evaporado. Agora só nos separava 1 minuto. Com meus Saucony Kinvara nos pés, tinha pela frente 3 voltas compostas de uma longa subida seguida de uma longa descida. Após cerca de 2 quilômetros alcancei o suíço, emparelhei, passei e assumi a ponta. Com receio de que talvez ainda houvesse outro atleta da minha categoria que tivesse escapado a minha marcação à minha frente, mas também para garantir certa vantagem em relação àqueles no meu encalço, continuei correndo forte. Talvez forte demais, como expliquei logo no começo, e, próximo ao Km 5, no final da longa subida, enfrentei as temidas câimbras. Mas após passar a tensão inicial e relaxar, fiquei ali parado, indeciso entre continuar parado, caminhar, trotar, correr no ritmo ou voltar a correr no meu ritmo de prova. Na verdade não havia indecisão nenhuma, eu já sabia de antemão que qualquer alternativa fora a última era inaceitável. Tenho esse "problema", sou viciado mesmo e corrida sem velocidade não dá "barato". Imediatamente acelerei, voltei a ultrapassar vários atletas de outras categorias, agora pela segunda vez. As câimbras desapareceram tão rapidamente quanto haviam aparecido e eu continuava liderando a minha categoria.. O sol, agora a pique, começou a castigar todos com 35°. Somente a baixa umidade relativa do ar tornou o esforço suportável. A cada um dos seis retornos podia constatar o aumento da diferença para meu concorrente suíço. Energizado pelo sucesso e correndo no piloto automático, veio finalmente o 6º e último retorno e a última descida de 1,5 Kms até a linha de chegada. Chegou a hora de eu me dar o luxo de rejeitar água, isotônicos, gel e esponjas. Chegou a hora de curtir os últimos instantes dessa grande prova. Chegou a hora de, finalmente, entrar à esquerda na bifurcação que leva à linha de chegada e não continuar à direita para mais uma volta. Chegou a hora de absorver a alegria do público já no funil de chegada e finalmente chegou a hora da indescritível emoção de passar pela linha de chegada pela segunda vez como campeão do mundo.

Com a melhor corrida da categoria, completei esta prova em 4hrs 39min e 47seg, sete minutos à frente do segundo colocado Alfi Caprez, da Suíça, e 19 minutos à frente do alemão Detlef Profaska. 

À noite, no jantar de premiação à beira do Lake Las Vegas aconteceu o impossível: uma única nuvem no céu fez despejar sobre o local do evento uma forte chuva, que em minutos encharcou tudo e todos, confirmando o mantar do Ironman  "Anything is possible". Nos vemos em 9 de Setembro de 2012 em Lake Las Vegas.


Joachim Doeding, Alfi Caprez e Detlef Profaska


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